domingo, 30 de março de 2008

o passado: livro- filme




As referências no livro ao cinema são diversas e, por vezes díspares: de Zorba, o grego a Rocco e seus irmãos, ou 2001- uma odisséia no espaço , passando por (e a edição brasileira da cosac naify se vale disso no projeto gráfico luxuoso, com frames de filmes citados no romance e outros)L´Histore d'Adèle H.,filme este que desconheço, mas que me pareceu bem importante pra configuração do romance e da relação difícil entre Rímini e Sofía.

O que me interessou neste livro foi sua imagética, sem dúvida, sua linguagem minunciosa e ao mesmo tempo caudalosa ("rigorosa e lúdica, que lembra um Proust que tivesse lido Cortázar" como escreve Reinaldo Morales na contracapa da edição brasileira), fiquei pensando na amnésia e na anestesia generalizada de Rímini ou na obstinada paixão de Sofía , de início, em termos estéticos. Não é pra menos, pois em tudo eles parecem objetos de arte como fetiche e decoração, mas nada kistch, sendo como os quadros de Riltse (o "pintor conceitual" do livro), cultuados como perfeitos. Rímini , na minha leitura inicial, estaria como que num pólo apolíneo e no dionisíaco, Sofía.

Sem continuar nesse ou outros enquadramantos, acabei me deixando conduzir ao longo de 6 meses, com interrupções e desistências, para finalmente hoje terminar a leitura como quem saboreia algo cujo gosto é forte e indefinível.Na verdade, múltiplo porque
são vários os romances, várias formas de narrar e compor uma história sem desistir do jogo e de tudo isso fico com as meta-imagens como chave de toda essa apatia versus histeria dos dois amantes.

As nádegas brancas de Ida expostas à rua em pleno entardecer,"extemporâneas como uma poltrona ou uma lâmpada de pé no meio do campo". A morte de Frida, quando ela prenuncia o tema do (des-)sangramento("sangrar o justo no momento justo: esse é o segredo da imortalidade").Rímini contemplando uma xícara por quase ou mais de 10 horas .A boca de Sofía multiplicada pela escuridão e o corpo de Vera se projetando "no ar, descrevendo o mesmo giro que um momento antes vira nos papéis sacudidos pelo vento". A epígrafre, "Já faz tempo que me acostumei a estar morta", repetida pela Sra. Sanz, ao telefone, quase quinhnentas páginas depois...

E o filme de Babenco se apodera de alguns desses momentos, enfocando sua trama nas (des)venturas amorosas. Para ele o filme, que pode remeter a Kieslowski , é dirigido ao público de Woody Allen e Almodóvar e lança uma provocação, " A separação também pode fazer parte de uma história de amor". A opção de Babenco, ao meu ver, é discutir um assunto ou eixo principal em detrimento da forma do romance, deixando de lado o fato de que a presença da narração do cinema é algo tão onipresente neste livro (e em nossas vidas), que sua problematização em se tratando da adaptação para o prório cinema poderia levar à denúncia desta onipresença ou dialogar com isso por modos de representação vários. Sua opção de aparecer no cartaz da última Mostra de cinema de São Paulo, é uma provocação ao olhar do espectador e ao que acabo de dizer, pois ele está lá como alguém que vende jóias no centro da cidade. Comércio alternativo de produto fino, pelo decalque?
Talvez a cena de Gael García Bernal traduzindo um filme B em inglês pode apontar
para uma pequena cintilação das razões de sua amnésia, .... Mas ficamos com o melodrama, e com a sensação de que a leitura de Babenco é mais apaixonada, propõe um desfecho mais ambíguo, menos pessimista e, em todo caso, mais lírico que o do livro de Alan Pauls.

Creio que O Passado pode gerar uma leitura cinematográfica mais aparentada ao universo criativo de David Lynch, por exemplo. No sonho que fecha a "torrente contínua" do livro, em que Rímini , deitado ao lado de Sofía, depois de ter se deparado com a velhice nonsense de suas fotos e de perceber em ambos os seus sexos sangue, é possível imaginar uma seqüência próxima com as de Cidade dos Sonhos:

"Viu seus dois pés descalços pisando um tapete de grama artificial que cercava uma piscina no último andar de um edifício castigado pelo sol. Quando acordou, uma luz fraca entrava pela persiana. Nenhuma mudança. Continuavam dessangrando-se."